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A sociedade prepara meninas para o abate.

Recentemente circulou um print por aí falando da prática de depilação com cera em meninas púberes. Uma excelente demonstração de como a sociedade prepara meninas para o abate.

sociedade prepara meninas para o abate.

E aí tem um milhão de críticas possíveis, sobre feminilização, escolha, pressão estética. Sobre como o padrão construído de como uma mulher deve se parecer é opressor e agressivo,

MAS

eu quero falar de meninas se tornando mulheres nesse mundo que odeia mulheres. Nesse mundo em que mulheres tem uma função muito clara: servir sexualmente aos homens.

Antes que comece o choro e o ranger de dentes sobre o debate da “escolha” e o argumento do “sentir-se bem”, eu queria sinalizar com algumas informações que não têm condições de ser esgotadas aqui e que portanto cada um deve fazer o seu caminho de procurar saber mais:

Primeiro ponto: o padrão estético de como um mulher deve parecer-se para ser considerada “bonita” mudou e muda constantemente, sempre de acordo com questões históricas, sociais e principalmente econômicas, sendo sempre ditada pelos homens, da classe dominante, reproduzido pelas suas mulheres e então disseminado para as classes subalternas. E aí é importante ressaltar que, historicamente esse “homem” que falo, pode ser representado pelo homem branco, anglo-saxão, que promoveu todo um processo de colonização em quase todos os continentes e impõe-se até hoje por diversos mecanismos.

E aí, como exemplo, eu posso citar como em algum momento o o padrão de beleza foi o de mulheres corpulentas. E isso por quê? Porque antigamente só quem se alimentava com fartura eram pessoas ricas e portanto ser gordo era sinal de pertencimento a uma elite. Unhas compridas e manicuradas por exemplo, originalmente eram um símbolo de beleza porque demarcava status de mulheres que não precisavam fazer trabalhos domésticos. E podemos ir ad infinitum analisando como cada elemento da nossa cultura que define o que é ser “bela” e portanto desejada e aceita (já que mulheres só são validadas socialmente se forem belas), tem um componente sexista, classista, e racista (por motivos óbvios). E dessa forma temos hoje como modelo de beleza “oficial” se persegue a qualquer custo: ser branca, magra, cabelos lisos, olhos e peles claras, traços faciais finos, poucos pelos.

Esse padrão é disseminado nas artes, literatura, música, moda e no último século levado às últimas consequências pela industria cinematográfica, TV, publicidade e agora internet. Que é dominada por homens e tem uma influência absurda nas mulheres, na maneira como elas se enxergam, como formam a imagem de como devem ser e se parecer, e de como influenciam os meninos sobre que tipo de mulheres devem desejar. Além do fato de como meninas nascem e têm sua estima como pessoa inteira, digna, íntegra, sendo destruída paulatinamente, e deixando apenas a aparência física e a docilidade como valores elogiáveis e aceitáveis. Acho que toda mulher sabe como teve toda sua potencialidade minada durante a vida e como o único que principal elogio que receber é “está linda”.

Então vamos ao segundo ponto. Hoje, os padrões de beleza que são criados atendem também a ensejos do mercado. É uma associação nefasta entre capitalismo e patriarcado que busca disseminar esses padrões em forma de demanda , criando nicho. E transformando a indústria da beleza em uma das que mais tem faturamento no mundo. Então como isso funcionou no caso da depilação por exemplo? Embora seja uma prática encontrada em culturas na antiguidade, a prática para mulheres disseminou-se como é hoje no século passado (1920 por aí) por editoriais de moda e beleza em revistas, associado a ideias como “higiene”. Ou seja, há pouco mais de cem anos, ter ou não pelos não era uma questão de beleza e muito menos higiene para as mulheres. Essa ideia foi criada e disseminada pela indústria e pela mídia (do mesmo jeito que inventaram o dia do namorados ou o dia das mães).

É importante notar e ressaltar de novo que todos esses padrões são criados por HOMENS, porque são eles que estão no comando de tudo, das empresas, da mídia, dos governos, das artes, da ciência. E que eles se beneficiam porque submetem mulheres ao que precisam e agora ainda lucram com isso. E mulheres pagam um preço alto por não reproduzir esses ditames. Se você não é magra, se você não depila, se você não se maquia, se não usa salto-alto, você será rechaçada, rejeitada, humilhada, não conseguirá arranjar parceiro, não conseguirá arranjar trabalho. Mulheres sentem-se mal, deprimidas, odeiam seus próprios corpos quando eles não estão em conformidade com o que a sociedade patriarcal dita. E são punidas. E ainda são convencidas que estão “escolhendo” se submeter. Que estão escolhendo gastar seu tempo, seu dinheiro, sua saúde emocional, fazendo mil procedimentos diferentes para ficaram dentro do que se definiu como sendo “bom”.

E aí vamos então ao terceiro e mais importante e principal ponto. A principal característica da nossa sociedade HOJE é que ela é extremamente pornificada. É a indústria pornográfica (comandada por homens) uma das que mais movimenta dinheiro e que dita qual o padrão que a mulher deve parecer. Qual o padrão de mulher desejável. E que mulher é essa?

É uma mulher pequena. Magra. De aparência frágil. Sem nenhum pelo. Vulva pequena e rosada.

O padrão de mulher que a indústria pornográfica vende como sendo a mulher desejável, a mulher comível, é a de uma criança.

E mulheres estão cada vez mais tentando transformar sua aparência, na aparência de uma criança. Extremamente magras. Nenhum pelo em parte nenhuma do corpo principalmente genital. Vulva e anus rosados. Pele sem nenhuma marca, sem nenhuma mancha. Lábios rosados e mais protuberantes. Olhos saltados. Cílios alongados. Crianças têm essa aparência, não mulheres adultas. Mulheres adultas estão sendo impulsionadas a emular um comportamento cada vez mais infantil e erotizado e impedidas de envelhecer. E crianças estão sendo erotizadas, adultizadas, pornificadas, e aliciadas.

O padrão de beleza da nossa atualizado é pornificado e pedófilo. Precisamos proteger nossas crianças. Estamos lutando para dar uma infância as nossas meninas, para que elas tenham direito de crescer, estudar, decidir o que querem fazer das suas vidas. Ainda assim o número de casamentos infantis no mundo é uma coisa assustadora. O número de abuso infantil, e violações de toda ordem é uma coisa alarmante. Precisamos acordar desse pesadelo e proteger nossas meninas. Elas nasceram em uma sociedade que as prepara para o matadouro. Que de um jeito ou de outro tenta valer sua lei de que mulheres foram feitas para a apreciação sexual masculina. Há pouco mais de cem anos era praxe que meninas se casassem logo depois que tivessem sua primeira menstruação. A maioria de nós teve avós que se casaram crianças e tiveram diversos filhos, vivendo uma vida pra criar crianças e cuidar do lar e do marido. E agora estamos permitindo que essas meninas voltem para o mesmo lugar, colocando-as na prateleira para exposição e assédio masculino tão logo entram na puberdade. Achamos que é escolha. Não é escolha. Isso é o que patriarcado sempre fez conosco, mas agora com um golpe de mestre, deixa que nós mesmas façamos o trabalho sujo com a ilusão de “empoderamento”. Isso não é empoderamento. Empoderamento é o que os homens tem.

Não caiam na falácia da escolha. Façam um movimento de analisar os motivos reais que nos levam a reproduzir determinados comportamentos, que nos levam a agir como agimos. Se fosse escolha e fosse tão bom, homens em massa estariam fazendo o mesmo e usufruindo, afinal eles constroem o mundo pra eles. Mas eles estão escolhendo opções de conforto sobre a própria aparência, o mundo que eles construíram pra eles é um mundo em que não precisam da aprovação de ninguém para sentir-se validado. Homens estão escolhendo consumir mulheres, explorar mulheres, homens estão escolhendo meninas porque elas são mais frágeis, inexperientes, imaturas. Homens escolhem meninas porque são presas fáceis para o abate e nós não podemos facilitar o trabalho deles.

Cila Santos

https://cilasantos.medium.com

Escritora, feminista, mãe e ativista pelos direitos das mulheres e das crianças. Criadora do projeto Militância Materna, falo sobre feminismo, maternidade e infância, disputando consciências por um mundo melhor. Vamos juntas?

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